Open-access Como se termina uma ditadura? A transição política da ditadura civil-militar de 1964 e a construção da “Nova República”

How Does a Dictatorship End? The Political Transition from the Civil-Military Dictatorship of 1964 and the Construction of the “New Republic”

RESUMO

O artigo reflete sobre o processo de transição política da ditadura civil-militar iniciada em 1964, e sobre a construção do ano de 1985 como de término do regime militar e de início da “Nova República”. Objetiva-se problematizar os marcos cronológicos e simbólicos reproduzidos pelas historiografias acadêmica e escolar. Argumenta-se que discursos e manifestações políticas criaram uma memória social que foi apropriada acriticamente e transformada em interpretação quanto ao período. Dessa forma, pretende-se evidenciar os interesses em consolidar o fim da ditadura em 1985, com a posse de um presidente civil.

Palavras-chave:
Ditadura civil-militar; Transição política; Cronologia; Nova República

ABSTRACT

The paper reflects on the political transition process from the civil-military dictatorship that began in 1964, and on the construction of 1985 as the end of the military regime and the beginning of the “New Republic”. The aim is to critically examine the chronological and symbolic landmarks reproduced by academic and school historiographies. It is argued that political speeches and demonstrations created a social memory that was passively accepted and transformed into an interpretation of the period. Thus, the aim is to emphasize the interest in consolidating 1985 as the end of the dictatorship, marked by the inauguration of a civilian president.

Keywords:
Civil-military dictatorship; Politic transition; Chronology; New Republic

Cobras cegas são notívagas.

O orangotango é profundamente solitário.

Macacos também preferem o isolamento.

Certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos.

Andorinhas copulam no voo.

O mundo não é o que pensamos.

“História Natural (Andrade, 2023).

I.

Quinze de novembro de 1984, feriado de Proclamação da República. No congresso da União Parlamentar Interestadual em Vitória, Espírito Santo, o candidato da Aliança Democrática às eleições presidenciais indiretas, o oposicionista Tancredo Neves, proferiu as seguintes palavras: “Neste 15 de novembro de transição democrática, concito e conclamo os cidadãos à tarefa de construirmos juntos a Nova República” (Neves, 2010, p. 793). Ao longo de sua fala, repetiu “Nova República” diversas vezes.

No dia seguinte, o Jornal do Brasil noticiava: “Tancredo anuncia que chegou a hora de nova República” ([Capa], p. 1, 1984). A expressão, que passou a ser amplamente utilizada pelo candidato e seus correligionários, foi incorporada pela cobertura jornalística da política. Essa apropriação pode ser aferida por meio da consulta a periódicos: existe um aumento exponencial na frequência de seu emprego após novembro de 19842.

Em 15 de janeiro de 1985, por meio de votação do Colégio Eleitoral na Câmara dos Deputados, Tancredo foi eleito presidente da República. Na manifestação proferida após o escrutínio, reforçou a inauguração ou o início da “Nova República”: “[...] Chegamos, agora, ao limiar da Nova República. [...] Faz algumas semanas, eu anunciava, em Vitória, a construção de uma Nova República” (Silva; Neves; Martins, 2011, p. 318).

A investidura do primeiro presidente civil após uma sucessão de cinco governos militares estava programada para 15 de março de 1985, e o discurso de posse preparado. Nele, Tancredo insistiria: “Brasileiros, começamos hoje a viver a Nova República. Deixemos para trás tudo o que nos separa e trabalhemos sem descanso para recuperar os anos perdidos na ilusão e no confronto estéril. Estou certo de que não nos faltará a benevolência de Deus” (Silva; Neves; Martins, 2011, p. 357).

Construída pela campanha de Tancredo e disseminada pela mídia, a “Nova República”, associada à vitória eleitoral e à posse presidencial, engendrou um marco político cronológico: 1985 converteu-se no ano do fim do processo transicional, do término da ditadura e do início de uma nova era da história contemporânea brasileira.

*

Lançado em 1984 pela Editora Record, Corpo, de Carlos Drummond de Andrade, reunia um conjunto de poemas de sua fase tardia. A obra se inicia com o seguinte trecho de “Canções de alinhavo”: “O problema não é inventar. É ser inventado hora após hora e nunca fica pronta nossa edição convincente” (Andrade, 2023, p. 9). De acordo com Maria do Carmo Alves de Campos (1991, p. 52), o autor enfrenta “lugares comuns e verdades estabelecidas”: “o ato da leitura remolda o real, sugerido como outra coisa, o poema desordenando o mundo nomeado e o saber do leitor.” Embora a temática do poeta fosse outra, tomo esses escritos, incluindo a epígrafe desse artigo, para interpretar a instituição de divisas cronológicas e simbólicas. Parafraseando Drummond, proponho pensar a “invenção” do ano de 1985 como fim do regime ditatorial e busco demonstrar que a “Nova República” não era bem a “novidade” que se afirmava.

Os trabalhos de memória e as funções que narrativas e bens culturais desempenham na conformação de marcos sociais foram analisados por muitos autores (Jelin, 2002; 2017; Traverso, 2007; Assmann, 2011)3. Uma história da inclusão de 1985 e da “Nova República” em uma historiografia acadêmica e escolar, como cronologia e periodização autoexplicativas, ainda precisa ser formulada, mas extrapola os objetivos aqui propostos. Ainda que produções recentes sugiram outros tratamentos para a transição política (Codato, 2005; Teles; Safatle, 2010; Chirio, 2012; Pinheiro, 2014; Reis Filho, 2014; Teles; Quinalha, 2020; Cury, 2023; Pedretti, 2024), certas obras e materiais didáticos seguem, imponderadamente, mobilizando 1985 e associando “Nova República” com a democracia, após um evento indistintamente chamado de “abertura”, “distensão”, “liberalização”, “redemocratização” ou “transição”, independentemente das dessemelhanças conceituais e contextuais. Por consequência, sentidos e significados concernentes à memória e à vivência de poucos atores políticos converteram-se em compreensão histórica, e gerações têm sido formadas e informadas por essas explicações.

Ao indicar essa tendência e criticá-la, não se pleiteia uma separação entre história e memória, e sim analisar certos usos políticos de 1985 e de “Nova República” para a transição política. Afinal, quem construiu essa narrativa, se não grupos civis interessados em não se responsabilizarem pelo passado ditatorial e desvincularem-se dele, atribuindo-lhe um caráter exclusivamente castrense? Concordo com Daniel Aarão Reis Filho (2000), Janaína Cordeiro (2009) e Marcos Napolitano (2015, 2019), os quais reconhecem a elaboração de um relato memorial bastante estável, de aspecto liberal-conservador, que reivindica a suposta resistência incondicional da sociedade ao autoritarismo e uma associação das Forças Armadas com a violação de direitos humanos. Logo, com a posse de um civil terminava o regime militar, instituía-se um passado e um presente e alcançava-se um tipo específico de democracia - liberal -, como ponto de chegada de uma sucessividade linear e teleológica. O problema reside em designar um governo como autoritário-ditatorial ou democrático exclusivamente pela origem do presidente (Rouquié; Suffern, 1997); e em considerar o sufrágio de 1985 como uma novidade, mesmo que tenha ocorrido de forma indireta. Como afirmara Drummond, esta “invenção” já não é mais convincente.

Ao longo do artigo, se perceberá que utilizo a nomenclatura “ditadura civil-militar” para o regime de 1964. Essa escolha reflete o intento de demarcar a participação de civis e militares nos espaços decisórios da ditadura. Não descarto o uso de “ditadura empresarial-militar”4, nem nego a liderança militar não-personalista e o processo de militarização dos três poderes, algumas justificativas para o emprego de “ditadura militar”5. A perspectiva que assumo assenta-se em um “movimento” dos setores civis de desvincularem-se do regime, construindo uma memória em que o regime é considerado única e exclusivamente militar. Do meu ponto de vista, isso não significa que as análises optantes por outras definições possam ser consideradas liberais-conservadoras, como aquele relato memorial. Analiso um uso político, em uma conjuntura precisa, correspondendo a determinadas finalidades que escapam aos intentos compreensivos e explicativos das ciências humanas e sociais.

Longe de oferecer respostas definitivas, minha pretensão é bem mais modesta. Como afirmado anteriormente, procuro explorar o processo de transição do regime de 1964, problematizando a utilização dos marcos 1985 e “Nova República”. Esse texto origina-se de inquietações que atravessaram a formação recebida na pós-graduação e que foram amadurecidas intelectualmente a partir das mais atuais investigações, situadas em parte nos anos 1980.

Tal reflexão aproxima-se da realizada por Edgar de Decca a respeito da “Revolução de 1930”. Em livro publicado originalmente em 1981, o autor explicitou como a historiografia “[...] manteve-se presa ao campo de representações de discursos políticos que instituíram a revolução de trinta como fato histórico, sem se indagar sobre a proveniência e os modos de enunciação desses mesmos discursos” (De Decca, 2004, pp. 15-16). Assim como a De Decca, interessam-me as operações pelas quais pessoas vinculadas à ditadura e à transição forjaram acontecimentos, análises e memórias; e como a historiografia incorporou-os.

De Decca adverte quanto à necessidade de se reconhecerem “os mecanismos de silêncio produzidos pelos discursos políticos em sua autolegitimação” (De Decca, 2004, p. 16). Assim, a discursividade política realizada por aqueles a quem interessava a associação da ideia de “mudança” a 1985, e o uso do termo “Nova República”, passa a ser identificada apenas como umas das versões possíveis, podendo ainda significar continuísmo e reformismo.

Inspirei-me em pesquisas desenvolvidas acerca da transição espanhola após a morte de Francisco Franco em 1975. Teresa M. Vilarós (1998), ao verificar as manifestações culturais que expressam falas reprimidas pelo relato hegemônico pós-franquismo, afirmou que:

La línea histórica que va del pasado al presente queda nítidamente delimitada. Al mirarlos retrospectivamente, los eventos aparecen causalmente explicados, racionalizados y ordenados por una narración firme y sin fisuras en la que, desde luego, se inscribe el fin del franquismo, el paso a la democracia y la integración en el mercado europeo (Vilarós, 1998, p. 43).

David Beorlegui Zarranz (2017), por sua vez, ao estudar as especificidades do processo transicional no País Basco, indicou os problemas de uma leitura fatalista e teleológica:

[...] el pensamiento teleológico que subyace al concepto transición, esa explicación del paso de la dictadura a la democracia se guía por una idea de necesidad que, por un lado, termina por identificar el presente y el actual status quo con la única opción que hubiera sido plausible y, por otro, empatiza de algún modo con aquellos que lograron imponer su proyecto político (Beorlegui Zarranz, 2017, p. 12).

A linearidade apontada por Vilarós, que conforma uma descrição “firme e sem fissuras”, e o fatalismo e a teleologia observados por Beorlegui Zarranz, que embasam uma narrativa de “necessidade”, ajudaram-me a pensar a transição política brasileira como imprevisibilidade, incerteza e indeterminação.

II.

Antes mesmo de ser decidido como seria a sucessão do general João Batista Figueiredo, Tancredo negociou sua candidatura, seu programa de governo e as opções de constituinte com as Forças Armadas e os setores oposicionistas. Encontros com o então ministro do Exército, general Walter Pires, preconizaram o estabelecimento de um pacto: militares se comprometeriam a debelar qualquer tentativa de golpe e o governo civil garantiria a impunidade aos envolvidos com a violação dos direitos humanos (Zaverucha, 1994, p. 167). Nesses atos, encontram-se indícios de continuidades que, para serem compreendidas, demandam um recuo às eleições presidenciais indiretas de 1974 e à investidura do general Ernesto Geisel três meses depois.

Segundo Maud Chirio (2012, p. 76), Geisel não se comprometera com a transição antes desta data. Após a votação realizada no Colégio Eleitoral em 15 de janeiro, Geisel discursou à população. Afirmou que seu governo prosseguiria “na diretriz que norteia a Revolução de 64”, e pediu confiança em si e em sua equipe para desempenhar “pesada tarefa governamental [...] em continuação à extraordinária obra que, há um decênio, se vem realizado neste país, sem desfalecimentos, nem pausas, muito menos irreparáveis retrocessos.” (cf. Biblioteca da Presidência da República, 1974).

Nesta manifestação, não há alusões a mudanças na condução do regime. Ao contrário, percebe-se uma disposição à ininterrupção tanto dos preceitos da “Revolução”, quanto do legado de dez anos de ditadura. Por ocasião de sua posse, identicamente, nenhuma menção à transição.

A primeira citação a um projeto desse teor foi feita em reunião ministerial ocorrida no dia 19 de março de 1974. Dirigindo-se aos seus ministros, Geisel dizia que:

Quanto ao setor político interno, envidaremos sinceros esforços para o gradual, mas seguro, aperfeiçoamento democrático, ampliando o diálogo honesto e mutuamente respeitoso e estimulando maior participação das elites responsáveis e do povo em geral, para a criação de um clima salutar de consenso básico e a institucionalização acabada dos princípios da Revolução de 64. Os instrumentos excepcionais de que o Governo se acha armado para manutenção da atmosfera de segurança e de ordem, fundamental para o próprio desenvolvimento econômico-social do país sem pausas de estagnação nem, muito menos, retrocessos sempre perigosos, almejo vê-los não tanto em exercício duradouro ou frequente, antes como potencial de ação repressiva ou de contenção mais enérgica e, assim mesmo, até que se vejam superados pela imaginação política criadora, capaz de instituir, quando for oportuno, salvaguardas eficazes e remédios prontos e realmente eficientes dentro do contexto constitucional (cf. Biblioteca da Presidência da República, 1974b).

O trecho “aperfeiçoamento democrático gradual, mas seguro” transmutou-se em uma adjetivação para a abertura, nomeada “lenta, gradual e segura” na memória social, e absorvida por parte das historiografias acadêmica e escolar.

Em outro ponto da exposição, Geisel fez referência aos valores da “Revolução de 64” e ao intento “da implantação definitiva de nossa doutrina revolucionária”. E completou:

E não se acoime esta [nossa doutrina revolucionária] de antidemocrática quando ao que ela visa, em verdade, é o aperfeiçoamento, em termos provadamente realistas, das práticas democráticas, adequando-as melhor às características de nossa gente e ao estágio alcançado pela evolução social e política do país, a salvo porém de atentados, declarados ou solertes, por parte dos que, em nome da democracia liberal, só desejam de fato destruí-la ou, em proveito próprio, viciá-la (cf. Biblioteca da Presidência da República, 1974b).

A recuperação do discurso de 1974 tenciona a versão de que os militares teriam iniciado uma renovação que, inequivocadamente, promoveria a passagem de um regime autoritário-ditatorial para uma democracia liberal. Ao contrário, as manifestações de Geisel oferecem outro ponto de vista para o fato. O projeto apresenta-se como reforma do Estado, que seria executada a partir da incorporação parcial ou total da legislação de exceção6 ao arcabouço constitucional. Também explicita uma concepção muito específica de democracia, ou, como afirma Adriano Nervo Codato (2005, p. 91), propõe uma forma política de “autoritarismo sem ditadura”.

Neste sentido, a transição cogitada pela ditadura tem uma dimensão continuísta bastante importante, como já demonstrado por diversos trabalhos (Zaverucha, 1994; Codato, 2005; Iokoi, 2009; Teles; Safatle, 2010; Del Roio, 2014; Chirio, 2021; Azevedo, 2020; Pedretti, 2024). Um dado colabora para compreender as persistências tanto da experiência repressiva ditatorial, como da expectativa de institucionalizar o arbítrio. Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (Brasil, 2014), pelo menos 50 pessoas foram mortas ou desaparecidas em 1974, ano em que, para um enfoque teleológico, teria se iniciado o processo de implantação do regime democrático.

O emprego de conceitos como “democratização” ou “redemocratização” para se referir ao período pode então ser questionado. Celso Castro, Glacio Ary Dillon Soares e Maria Celina D’Araujo (1995) criticavam esses termos em meados da década de 1990, pois a transição seria incompleta no sentido da obtenção da cidadania plena, princípio básico da democracia (Soares, D’Araújo; Castro, 1995, p. 14). A mesma ponderação está presente nas reflexões de Luiz Felipe Miguel, que se contrapõe ao uso de “transição democrática”, “[...] por pressupor que a transição tem um ponto de chegada predefinido (a ‘democracia’) e, mais, que essa democracia tem um sentido unívoco. [...]. Ainda que se considere que a democracia era o destino inevitável da transição, permanece a questão: a qual democracia chegaríamos?” (Miguel, 2019, p. 33).

Sem dúvidas, medidas aprovadas no Congresso Nacional, como a Emenda Constitucional n. 11, de 13 de outubro de 19787, e a lei de anistia, de 28 de agosto de 1979, comparadas às falas de Geisel no início de seu mandato, representam presentes e ritmos variados - indicam uma aceleração, o que dificulta abordar a transição como um bloco homogêneo8. Essa dinâmica foi reconhecida inclusive pelo general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil da Presidência da República durante os governos Geisel e Figueiredo até 1981. Segundo Daniel Faria (2018, p. 58), em conferência realizada na Escola Superior de Guerra, Golbery recorreu a uma metáfora orgânica para explicar a dinâmica do processo transicional, comparando-o a movimentos realizados pelo coração, de sístole e diástole.

Entretanto, é importante ressaltar que não havia um único projeto de transição, mas propostas divergentes em disputa, o que endossa a argumentação da extemporaneidade. Chirio (2012) analisou as discordâncias existentes nas Forças Armadas. Anita Leocádia Prestes (2014), Milton Pinheiro (2012) e Lucas Pedretti (2024) detiveram-se nos programas da oposição política, muitos deles, apresentando outras definições de democracia. Não obstante os militares possuíssem um projeto de institucionalização da ditadura, a interação dialética (Alves, 1987) com o dissenso interno e externo ao regime alterou esse plano para um processo. Para Codato (2005, p. 94):

[...] o projeto original de liberalização do regime ditatorial não foi idêntico ao processo político que ele desencadeou. Uma vez iniciado, o movimento adquiriu lógica própria e várias crises no governo Geisel e Figueiredo dizem respeito tanto à tentativa dos Presidentes de reafirmar seu controle sobre o processo, quanto da oposição civil e militar de alterar o projeto (em direções diferentes).

O estudo desses projetos poderia evidenciar aspirações e objetivos múltiplos, fundamentados nas experiências prévias dos sujeitos e na forma como interpretavam aquele presente e almejavam determinados futuros por meio da mobilização de seu repertório cultural e político. Essas expectativas, em certos casos alcançadas, e, em outros, frustradas, ao serem abordadas a partir de perspectivas de classe, geração, gênero, pertencimento étnico-racial e região, dotam a transição de significados e temporalidades específicos, que se manifestaram no espaço público por emoções e sentimentos distintos. Ao mesmo tempo que se observam expressões de entusiasmo, esperança, euforia, excitação, otimismo e vitória, suscitadas pela rearticulação das lutas sociais, são evidentes as demonstrações de amargura, desencanto, desmobilização, derrota, frustração, melancolia, pessimismo e resignação9. Assumindo a incerteza e a indefinição, é possível enfatizar outras vivências do passado que se sobrepõem aos acontecimentos e apontam para o que poderia ter sido e não foi. Rafael Ioris e Hernán Ramirez (2024), na apresentação do dossiê “História do tempo presente, transições e democratizações”, publicado pela revista Tempo e Argumento, consideram necessário reconhecer que esse passado “não precisava ser assim”:

De fato, se considerarmos o tanto que diferentes organizações de base lutaram, desde meados da década de 1970, para que houvesse uma redemocratização efetiva no Brasil, fica difícil de entender como chegamos a tal ponto de rejeição não só da democracia formal, mas também da própria cultura e dos valores democráticos entres nós. Se nos detivermos, contudo, nos meandros do processo de redemocratização, em grande parte imposto, assim como na própria lógica de acomodações operando em tais desdobramentos, poderíamos então começar a ter uma melhor noção não só das insuficiências de tal processo, mas também do seu legado em médio e longo prazos (Ioris; Ramirez, 2024, p. 3).

Por isso, é preciso lembrar que, mesmo incerto e indefinido, o processo esteve sempre controlado pelos grupos econômicos, militares e políticos (Cury, 2023) que compunham a ditadura. Zaverucha (1994) cita que o adoecimento de Tancredo e o impedimento de sua posse fez com que o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, consultasse o ministro do Exército empossado em março de 1985, general Leônidas Pires Gonçalves, para negociar quem deveria ser o presidente da “Nova República”. Posteriormente, Sarney preservou a configuração militar do gabinete de Figueiredo (Zaverucha, 1994, p. 172). Em uma conjuntura de indeterminação, marcada por contingências e pelas constantes ameaças de interrupção do processo transicional feitas por agentes das forças de inteligência e repressão ou por autoridades militares, essas consulta e negociação têm um sentido de continuidade manifesto: “as Forças Armadas haviam deixado o governo mas não o poder” (Zaverucha, 1994, p. 176).

III.

Até meados dos anos 1970, o termo “transição” foi empregado nas ciências humanas e sociais para se referir a transformações estruturais. Os debates acadêmicos e políticos após o término da ditadura de Franco acrescentaram à semântica do conceito o sentido de passagem de governos autoritários para regimes democráticos (Pérez Serrano, 2004). Dessa forma, a disciplina transitologia consolidou-se na ciência política entre os anos 1980 e 199010. Grosso modo, esse campo analisa, classifica e compara as substituições de regime políticos com base em um modelo ideal de democracia assentado nas experiências europeias e estadunidense (Monclaire, 2001). Em contraste, a produção histórica tardou mais, devido aos óbices apresentados à história do tempo presente - mais especificamente a proximidade cronológica e experiencial do observador com o objeto, elemento que hipoteticamente prejudicaria uma abordagem científica. Superada essa barreira epistemológica, hoje em dia há uma vasta historiografia da transição política da ditadura de 1964, impossível de ser sistematizada.

Na parte inicial desse texto, mencionei a existência de uma memória social que associa o ano de 1985 e a “Nova República” ao término da ditadura. A narrativa do passado segundo esses marcos objetiva desfazer a cumplicidade entre grupos civis e Forças Armadas durante o regime, que se torna unicamente militar. Tendo em vista a estabilidade historiográfica e memorial da data e da expressão, pergunto: estamos diante de um relato da transição feito pelos “vencedores”?

Levando em conta sua experiência com a história oral de militares, Maria Celina D’Araujo (1994) comenta que muitos entrevistados se ressentem com seus antigos cúmplices, predominando um sentimento de incompreensão e mágoa, “[...] como se tivesse havido uma traição da sociedade [...]” (D’Araujo, 1994, p. 158). A despeito da instituição castrense se considerar vitoriosa na luta contra a subversão (D’Araujo; Soares; Castro, 1994, p. 13), esses sentimentos atestam uma derrota perante o entendimento que foi sendo elaborado a partir do afastamento de setores liberais, que assumiram um discurso de resistência à violação dos direitos humanos difundido pela oposição (Napolitano, 2015, pp. 17-18).

Os “vencedores”, segundo Reinhart Koselleck (2014), elaboram uma história “concentrando-se naquelas sequências de eventos que, graças à sua ação, lhes propiciaram a vitória” (Koselleck, 2014, p. 63), ou em “uma teleologia ex post de longo prazo” (Koselleck, 2014, p. 64). Na construção desse relato “vitorioso” criou-se um “mito” da resistência civil à ditadura e ao autoritarismo (Reis Filho, 2000; Cordeiro, 2009), que se valeu de 1985 e da “Nova República”.

A incorporação desses marcos fortalece o argumento da transição como “mudança”, normalizando um “antes” e um “depois”, sendo esse “depois” a metamorfose da ditadura em democracia. Berber Bevernage (2015) sustenta que uma perspectiva evolucionista e progressiva caracteriza a explicação da instituição de regimes liberais no leste europeu como único projeto possível.

Para os civis imbricados ao regime ditatorial, a transição era o espaço em que a ditadura, concebida como “velho”, era sucedida pelo “novo”, inaugurado após a vitória de Tancredo. Alego que 1985 e o “novo” da “Nova República” não são explicações históricas da transição ou da democracia, mas um recurso retórico, uma representação de ruptura, mobilizado por uma necessidade política daquele presente, visando um futuro singular.

A crítica à noção de “mudança” tem sido formulada por pesquisadores que propõem uma revisão dos marcos iminentemente políticos da transição, destacando as persistências da ditadura e endossando outras cronologias e periodizações. Liliana Sanjurjo e Gabriel Feltran (2015) compreendem a violência como um dos principais elos entre a ditadura e a democracia:

Já não é surpreendente que o recurso à violência institucional, que se julgava próprio das ditaduras militares - tanto a violência massivamente aplicada a populações consideradas ameaçadoras, quanto seletivamente voltada às vozes dissonantes - seja também instrumento fundamental da forma de governo contemporaneamente conhecida como democracia (Sanjurjo; Feltran, 2015, p. 43).

Ratificando essa interpretação, Taniele Rui e Fábio Mallart (2022) indagam se o regime democrático se caracterizaria pelas “heranças” e pelos “resquícios” do autoritarismo ou por um processo transicional falho e incompleto. Como recurso interpretativo, propõem um questionamento que influenciou as reflexões aqui desenvolvidas: “Não haveria rendimentos analíticos e políticos em abandonar a racionalidade institucional e a temporalidade serial como premissas de nossas reflexões [...]?”. Para Rio e Mallart (2022, p. 16), ao utilizar outras referências cronológicas que não as políticas e ao romper com a linearidade, torna-se possível compreender por que a vivência democracia é desprovida de experiência e sentido para certas coletividades.

Mesmo sem inquirir a cronologia da transição, Carla Longhi (2024) examina os discursos e as práticas na área da segurança pública paulista, indicando a permanência de uma lógica autoritária de violência física e simbólica, expressa pela permanência e pelo enraizamento da lógica de segurança nacional a partir da concepção de “inimigos potenciais”. Recordo que a militarização do policiamento ostensivo foi incrementada pela ditadura.

Em relação aos marcos políticos, Reis Filho (1999) asseverava que, já no início dos anos 2000, havia “certa polêmica” na extensão da ditadura brasileira:

Instaurada em 1964, alguns sustentam que terminou em 1974, com o início da distensão promovida por Geisel. Outros a estendem até fins de 1978 (fim do AI-5) ou até agosto de 1979 (aprovação da lei da anistia), ou ainda até o fim do mandato do último general presidente, João Baptista Figueiredo (1985), não faltando os que a admitem até a primeira eleição direta presidencial (1989). Assim, a ditadura teria durado de 10 a 25 anos (Reis Filho, 1999).

Um dos investigadores que assumem o ano de 1989 como término do regime de 1964 é Codato (2005), que planteia uma segmentação da ditadura em cinco grandes fases e 17 etapas/subfases:

Uma primeira fase, de constituição do regime político ditatorial-militar, corresponde, grosso modo, aos governos Castello Branco e Costa e Silva (de março de 1964 a dezembro de 1968); uma segunda fase, de consolidação do regime ditatorial-militar (que coincide com o governo Medici: 1969-1974); uma terceira fase, de transformação do regime ditatorial-militar (o governo Geisel: 1974-1979); uma quarta fase, de desagregação do regime ditatorial-militar (o governo Figueiredo: 1979-1985); e por último, a fase de transição do regime ditatorial-militar para um regime liberal-democrático (o governo Sarney: 1985-1989) (Codato, 2005, p. 83).

O autor delimita o governo Sarney (1985-1989) como cronologia e nomenclatura, e realiza uma divisão tripartite dos anos entre 1974 e 1989: transformação, desagregação e transição propriamente dita. Juntamente, Codato (2005, p. 88) apresenta uma periodização para o que chamou de “consolidação de um novo regime nacional (1989-2002)”. Em suas palavras,

as etapas assinalam os momentos de virada no interior de cada fase e, também, entre uma frase e outra (que, em geral, coincidem com crises políticas. Trata-se de uma indicação sumária dos intervalos do processo político, já que uma explicação efetiva desse período implicaria abordar cada crise e os momentos de ruptura nesse contínuo (Codato, 2005, p. 86).

Do mesmo modo, a coletânea organizada por Milton Pinheiro (2012) trouxe outras possibilidades de temporalizações. Marcos del Roio (2014) sustenta que “a transição em stricto sensu coincide com o governo de Sarney, com a passagem do poder militar ao poder civil, com a promulgação de nova Constituição e com eleições presidenciais diretas” (Roio, 2012, p. 11). David Maciel (2014, p. 269), que propõe as datas 1974-1989/1990, estipula que, com a eleição de Tancredo Neves, “terminava assim a ditadura militar, mas não a institucionalidade autoritária e nem a autocracia burguesa que a informava” (Maciel, 2014, p. 294). E Anderson Deo (2014, p. 304) defende a existência de um “interregno que se inicia com o governo Geisel (1974-1979) e segue até a posse de Fernando Collor de Mello (1990)”, chamado de “transição à long terme pactuada”.

No aniversário de 50 anos do golpe, Reis Filho (2014) indicou novos marcos cronológicos para o processo transicional11. O recorte 1979-1988 foi considerado como “Estado de direito autoritário”, iniciado com a revogação das leis de exceção e terminado com a aprovação da Constituição de 1988 (Reis Filho, 2014, p. 125). Sua proposta recebeu inúmeras críticas, e Reis Filho foi chamado de “o homem que encurtou a ditadura brasileira” (Maestri, 2017).

Em reflexão igualmente publicada nessa rememoração, Renato Lemos (2014) sugeriu cronologia, explicação e temporalidade particulares para o golpe e a ditadura, definindo-os, respectivamente, como “preventivo” e “contrarrevolucionário”. Recuperando aspectos políticos, entendidos como história da luta de classes, Lemos segmenta a intervenção militar em três tempos: longo (1914-1989), abordando questões estruturais; médio (1945-1989), com ênfase nos ineditismos; e curto (1960-1964), englobando a crise política pré-1964. O regime militar, por sua vez, é demarcado em duas fases: a primeira, chamada “contrarrevolução terrorista” (1964-1974), subdividida entre 1964-1968 (implementação da ditadura e do terrorismo de Estado) e entre 1968-1974, época de apogeu do regime; e a segunda, nomeada de “contrarrevolução democrática” (1974-1989), desmembrada em 1974-1978 (reacomodações internas do regime) e em 1978-1989 (permanências paralelas a importantes mutações). No que se refere à última fase, objeto de minha análise, o autor defende a tese do continuísmo entre a ditadura e a democracia, porém salienta a importância de novos elementos entre 1985 e 1990, como a legalização dos partidos comunistas e o reconhecimento da legitimidade do movimento sindical.

Mais recentemente, Vania Maria Cury (2023)12, ao pesquisar os anos 1980 a partir da imprensa e da publicação Jornal da Constituinte, chamou a gestão Sarney de “governo que inaugurava a Nova República” (Cury, 2023, p. 95) e adotou a promulgação da Constituição de 1988 como término da “transição democrática” (Cury, 2023, p. 5), uma proposta que coincide com a de Codato. Cury assim justifica sua escolha:

Seguimos aqui neste trabalho, portanto, a cronologia definida pelos líderes oposicionistas que comandaram o processo de construção do novo sistema jurídico nacional presidido pela Constituição de 1988. Em sua visão, a ‘transição democrática’ estaria concluída quando fosse promulgada a nova Carta Magna brasileira, iniciando-se ali uma etapa inédita de renovação institucional para o Brasil (Cury, 2023, p. 6).

Essas foram algumas reflexões relacionadas à cronologia da ditadura de 196413. Apesar da diversidade analítica, os autores concordam com o abandono de 1985 e da “Nova República” como indicativos de mudança, à exceção de Cury (2023), que utiliza a terminologia por mim criticada.

Ao recusar esses marcos, como terminaria a ditadura? Na próxima seção, gostaria de propor uma leitura da transição como imprevisibilidade, com destaque para a interação entre o projeto do governo e as pressões internas e externas experimentadas pelo regime, e reiterar a necessidade de uma nova periodização e de várias temporalidades para a transição política, a partir do diálogo com a historiografia anteriormente apresentada.

IV.

Debater as durações de eventos históricos proporciona uma avaliação de continuidades e rupturas entre uma época e outra. Em se tratando da transição da ditadura de 1964, contribui para elaborar reflexões mais abertas ao acaso, rompendo com narrativas sequenciais e teleológicas que iniciam com o governo Geisel, se estendem às eleições de Tancredo Neves e chegam à pose de Sarney, corolário do processo de “redemocratização”.

Antonio Gramsci (2017), ao analisar a crise de hegemonia na Itália após a Grande Guerra e a ascensão do fascismo, observou que o consenso anterior era contestado, sem se vislumbrar uma solução à crise econômica, política e social. Em suas palavras:

Se a classe dominante perde o consenso, ou seja, não é mais “dirigente”, mas unicamente “dominante”, detentora da pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam, etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer [...] (Gramsci, 2007, p. 184).

A exemplo da análise de Gramsci, entender a transição política brasileira como um interregno em que as condições prévias não mais existem e as mudanças estão indefinidas possibilita compreender os espaços de tomada de decisão que vão paulatinamente constituindo o processo. Os anos entre 1974 e 1988 tornam-se um tempo de disputas políticas, com avanços e recuos, com incertezas e indefinições entre diferentes setores e suas concepções e projetos de Estado e sociedade (Codato, 2005). Em outras palavras, trata-se de uma concepção conflitiva da transição, em que uma proposta foi vitoriosa, havendo outras, futuros passados que não se efetivaram e que poderiam resultar em outros sentidos, significados e, até mesmo, cronologias para o processo.

No ensaio de Hannah Arendt (2003) com relação à intelectualidade que experimentava uma brecha entre o passado e o futuro ao final da Segunda Guerra Mundial, encontra-se um apoio para o argumento da vicissitude do processo transicional da ditadura de 1964. Arendt distingue um “período intermediário” do tempo histórico, em que “não somente os historiadores futuros, mas também os atores e testemunhas, os vivos mesmos, tornam-se conscientes de um intervalo de tempo totalmente determinado por coisas que não são mais e por coisas que não são ainda” (Arendt, 2003, pp. 35-36).

Algo semelhante pode ser apreendido das teses de Koselleck (2014) no tocante aos tempos históricos. Para o autor, sequências de eventos podem ser rompidas por “surpresas”, que introduzem um antes e um depois irreversíveis: “de repente, nos deparamos com um novum e, portanto, com um minimum temporal que define o antes e o depois. Rompe-se, e precisa ser reconstruído, o continuum entre a experiência adquirida e a expectativa daquilo que virá” (Koselleck, 2014, p. 23).

Retorno à anterioridade e à posterioridade que 1985 institui. Essa retórica memorial e historiográfica confere à transição política um caráter fundacional, cujo desfecho relaciona a instauração da democracia à vigência da “Nova República”.

Outra crítica a essa ideia de rompimento pode ser encontrada quando se menciona um dos sentidos que a palavra “república” assume na expressão. Para Eduardo Guimarães (1991, p. 68):

Em todas as constituições brasileiras - a partir de 1981 - está dito que o Brasil é uma República. [...] Em nenhuma das Constituições há uma definição do que seja república (esta falta de definição é, diga-se de passagem, própria de textos legais). As constituições funcionam, então, como se fosse de todos conhecido o que seja república. E isso cria, para cada texto constitucional e para o conjunto das Constituições, um efeito de sentido de que república é sempre uma única e mesma coisa.

Eni Pulcinelli Orlandi (1987, p. 270) corrobora esse raciocínio afirmando que “[...] no Brasil, depois do Império, só tivemos Repúblicas. Com altos e baixos, mas sempre Repúblicas; o que nos dá uma visão uniforme da vida política deste século.”

De acordo com Orlandi, que escreve em 1985, desde o discurso de Tancredo em Vitória originou-se um uso “diríamos, indiscriminado, da palavra ‘novo’ adjetivando não só atos políticos, mas administrativos e mesmo acontecimentos da vida cotidiana. Tudo é ‘novo’, desde então” (Orlandi, 1987, p. 270).

No entanto, se o regime republicano não se modificara ao logo do século XX, qual o interesse do candidato oposicionista e de setores civis em evidenciar o “novo”? Orlandi conclui que, ao instituir uma “república nova”, a ditadura é silenciada: “[...] esse nome Nova República evita, sobretudo, que se diga que o período imediatamente anterior (1964/1984) foi o de uma ditadura militar. Sugere mesmo que também foi uma República (a 3a., uma fase da Contemporânea etc.)” (Orlandi, 1987, p. 217).

Nas manifestações realizadas na campanha e na eleição, e naquela preparada para a posse, o termo “Nova República” não foi associado à democracia. Em seu pronunciamento após ser eleito, Tancredo mobiliza um passado mais distante: a transição do Império para a República. No final do século XIX, relacionava-se “república” ao novo e ao moderno (Starling, 2018). Embora o uso desse passado por Tancredo objetivasse demarcar algo novo, Heloisa Starling (2018) afirma que parte dos republicanos que se organizaram no Brasil nas décadas século XIX não estavam imbuídos de valores revolucionários, e sim de um reformismo.

Como “intérprete da história”, Tancredo, ao difundir o “novo” e estabelecer uma cronologia e periodização, atribuiu importância histórica àquele presente. No uso político realizado de 1985 e da expressão “Nova República”, evitou e gerenciou conflitos e manteve o controle e a ordem (Orlandi, 1987, p. 271), personificando o caráter conciliador, moderado e não revanchista (Pedretti, 2024, p. 133) do processo transicional. Como conviria aos grupos civis apoiadores da ditadura, permitiu sua desresponsabilização e desvinculação; aos militares, garantiu sua impunidade (Orlandi, 1987, p. 275); e a si e a seus correligionários, possibilitou que não se elaborassem medidas institucionais, jurídicas e simbólicas, como o debate sobre o aparato de inteligência e repressão da ditadura. Esses aspectos reafirmam a tese de que a transição política se caracteriza mais como uma manutenção reformista do que como uma mudança político-institucional (Maciel, 2014).

*

Ao longo dessas páginas, procurei salientar a necessidade de pensar a transição política da ditadura de 1964 a partir do caráter de imprevisibilidade, incerteza e indeterminação do processo, incorporando as crises e os acontecimentos inesperados, os avanços e os recuos, e atentando à não linearidade e à teleologia. Ao endossar as análises do processo transicional como um rearranjo continuísta, evidenciam-se os seguintes aspectos:

Primeiramente, a existência de um controle, ou de uma expectativa de controle, do processo transicional. Essa vontade, explicitada desde o discurso de Geisel quando se refere ao “aperfeiçoamento democrático gradual, mas seguro”, indica uma temporalidade específica, algo que poderia ser chamado de “tempo inercial”. Zilda Iokoi (2009) sugere a existência de uma “transição metaforizada”, reveladora de uma retórica de modificações sem mudanças.

Associado à inércia, tem-se um projeto de institucionalização da ditadura que asseguraria as medidas de exceção e os elementos autoritários por meio de arranjos jurídicos e institucionais, garantindo a “democracia forte” pretendida pelos militares. Para Carlos Fico (2021), seria a materialização da “utopia autoritária” brasileira. O autor ressalta que, no período ditatorial, a combinação da excepcionalidade, representada pelos atos institucionais e pelas constituições de 1967 e 1969, foi uma estratégia consciente do regime, e não um paradoxo ou uma contradição (Fico, 2021). >explicação, por conseguinte, confirma o reformismo do projeto transicional da ditadura.

Voltemos aos discursos de Tancredo. Com “Nova República”, fixou-se uma anterioridade e uma posteridade a partir de 1985, com a eleições e a posse de um presidente civil. Para o político e os setores liberais, a distinção entre o velho (ditadura) e o novo era uma necessidade política. Apesar disso, mais do que uma efetiva ruptura com o passado, a “Nova República” foi mobilizada como uma representação de mudança, ou seja, mais um recurso retórico que um horizonte de transformação do regime.

Quanto à cronologia política e à periodização da transição, seria possível discriminar, a partir da interação da iniciativa do governo e das propostas alternativas internas e externas, dois momentos pelo menos, que elucidariam a transfiguração do projeto dos generais em um processo civil-militar.

Para começar, uma transição militar, que corresponderia aos governos dos generais Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. Seria recomendável decompô-la a fim de evidenciar experiências do tempo e ritmos do processo heterogêneos. Até 1978, contempla-se a distensão gradualista propalada por Geisel. Entre 1978 e 1979, é notória uma aceleração no processo transicional, materializada com a revogação dos atos institucionais e a promulgação da lei de anistia e da lei orgânica dos partidos14.

Depois, uma transição civil, que abarcaria o governo de Sarney, a promulgação da Constituição de 1988, a realização de eleições em 1989 e a posse do primeiro presidente civil escolhido pelas primeiras eleições diretas desde 1961. Esses episódios integram uma conjuntura ainda atravessada pelos debates acerca da condução da transição. O processo de consolidação democrática foi paulatino, inconcluso em muitos casos, e tem sido questionado a partir da crise institucional e política brasileira após 201415.

O último verso drummoniano de “História Natural” transmite uma estupefação com a vida. Se o mundo não é o que pensamos, há outras possibilidades de narrar a transição política da ditadura de 1964, apoiando-nos em marcos cronológicos e simbólicos que não o ano de 1985 e a “Nova República”. Em conclusão, a data e o termo expressam vontades políticas e não necessariamente indicam a implantação de um regime democrático e, portanto, mudanças e novidades.

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  • VILARÓS, Teresa M. El mono del desencanto: una crítica cultural de la transición española (1973-1993). Madrid: Siglo XXI, 1998.
  • VILLA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira: 1964-1985: a democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo: LeYa, 2014.
  • ZAVERUCHA, Jorge. Rumor de sabres: controle civil ou tutela militar? São Paulo: Ática, 1994.
  • 1
    Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), por meio de uma bolsa de Produtividade em Pesquisa.
  • 2
    A busca foi realizada na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Antes do discurso de Vitória, encontraram-se apenas quatro referências, em um total de 6.372 resultados para a década de 1980. Entretanto, esses números podem não ser absolutos, entre outros motivos, por questões técnicas relativas ao OCR dos documentos. Para cuidados metodológicos ao empreender essas consultas, cf. Brasil e Nascimento (2020).
  • 3
    Sobre o caso brasileiro, Janaína Cordeiro (2009) critica a expressão “anos de chumbo” para sintetizar o governo do general Emílio Garrastazu Médici, já que silencia os “anos de ouro” que a gestão representou para parcelas da sociedade. Por analogia, pode-se questionar termos “golpe dentro do golpe” para o Ato Institucional n. 5, que ignoraria o terrorismo de Estado prévio a 1968, ou ainda “porões da ditadura” para a repressão, que reduziria a violência física e psicológica a práticas clandestinas dos agentes de informação e repressão (cf. Beserra de Vasconcelos et al., 2024).
  • 4
    Uma lista das produções que incorporam o termo está presente no apêndice do artigo de Martina Spohr (2024) e nos trabalhos que compõem o dossiê “A ditadura empresarial-militar, o grande capital e as lutas de classes no Brasil”, publicado pela revista Germinal: marxismo e educação em debate.
  • 5
    Para uma síntese teórica e historiográfica das caracterizações da ditadura, cf. Monteiro (2024).
  • 6
    Atos institucionais, atos complementares e lei de segurança nacional.
  • 7
    O instrumento estipulava que, que a partir do dia 1º de janeiro de 1979, restituía-se o pluripartidarismo e se revogavam todos os atos institucionais e complementares.
  • 8
    Ângela de Castro Gomes (2014) indagou a suposta homogeneidade ao longo dos anos da ditadura de Vargas (1937-1945), propondo subdivisões para o Estado Novo.
  • 9
    Caroline Silveira Bauer (2012), Renan Quinalha (2013), e Edson Teles e Renan Quinalha (2020) discutem que as características da transição influenciaram no desenvolvimento de políticas de memória e em uma concepção particular de “justiça de transição”, que restringiram a noção de vítima e, em decorrência disso, os limites dessas reparações. Pedretti (2024) conclui que certos grupos sociais e sujeitos seguem sendo alvos de violência atualmente, o que permite questionar clivagens como a ditadura e a democracia, o passado e o presente.
  • 10
    Os seguintes autores e suas produções são comumente referenciados como constituintes do campo: O’Donnell e Schmitter (1988); Huntington (1991); e Linz e Alfred (1996).
  • 11
    No mesmo ano, Marco Antonio Villa (2014, p. 11) escreveu que “não era possível chamar de ditadura [...] os anos 1979-1985, com a aprovação da lei de anistia e as eleições diretas para os governadores estaduais em 1982”. Entretanto, não especifica porque selecionou esses fatos, e se são indícios de democracia.
  • 12
    Destaco a relativa semelhança entre meu título e o do livro de Cury, “Como saímos de uma ditadura”, lançado em outubro de 2023. Não conheci sua obra enquanto escrevia artigo nesse mesmo ano. Para mim, a ideia de “terminar” uma ditadura faz referência aos usos políticos de 1985 e à “Nova República”.
  • 13
    Agradeço às pessoas que avaliaram esse texto e elaboraram os pareceres indicando correções e sugestões imprescindíveis para relativizar informações que trouxe da historiografia da ditadura e da transição.
  • 14
    Codato (2005, p. 84) considera que as eleições contribuíram para acelerar transmutações na ditadura sem influenciar sua direção conservadora.
  • 15
    Cf. a análise bibliográfica realizada por Koerner, Troiano e Freitas (2024).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2024
  • Aceito
    04 Mar 2025
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