Open-access O beribéri nos relatórios médicos da Comissão Rondon (1907-1915)

Beriberi in the Medical Reports of the Rondon Commission (1907-1915)

Resumo

Desde os seus primeiros anos, a Comissão de Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA) enfrentou o desafio sanitário de construir uma linha de comunicação em área tropical assolada por moléstias tropicais endêmicas que chegaram a paralisar suas obras. Nos relatórios dos médicos militares da Comissão, dentre as moléstias citadas destaca-se o beribéri. Discutia-se a sua etiologia, ainda pouco elucidada, opondo-se os defensores da teoria da infecção e os partidários da chamada deficiência alimentar. Este impasse se refletiu nos relatórios dos médicos da Comissão, sobretudo na maneira como interpretavam casos da doença nas frentes de construção da linha. Selecionamos dois relatórios que discutem o beribéri e sua incidência na área de atuação da Comissão, dos médicos Murillo de Campos (1913) e José Antônio Cajazeira (1916), que dialogam com o conhecimento médico produzido à época sobre a doença.

Palavras-chave:
Medicina tropical; Carência nutricional; Beribéri; Comissão Rondon

Abstract

From its early years, the Mato Grosso-Amazon Telegraph Lines Commission (CLTEMTA) faced the health challenge of building a communication line in a tropical area plagued by endemic tropical diseases that had brought its construction to a standstill. In the reports of the Commission’s military doctors, beriberi stands out among the diseases mentioned. Its etiology, which is still poorly understood, was debated, with proponents of the infection theory and supporters of the so-called nutritional deficiency theory opposing each other. This impasse was reflected in the reports of the Commission’s doctors, especially in the way they interpreted cases of the disease on the line’s construction fronts. We selected two reports that discuss beriberi and its incidence in the Commission’s area of activity, by doctors Murillo de Campos (1913) and José Antônio Cajazeira (1916), which discuss the medical knowledge produced at the time about the disease.

Keywords:
Tropical Medicine; Nutritional Deficiency; Beriberi; Rondon Commission

DOENÇAS NO NOROESTE DO BRASIL

O movimento de incorporação dos sertões ao projeto nacional faz parte de um esforço civilizatório do nascente regime republicano brasileiro que contava com o apoio inaudito da intelectualidade e das elites políticas. O patrocínio oficial às viagens e expedições destinava-se a efetuar o mapeamento de regiões inexploradas e a proceder ao seu diagnóstico científico, que permitiria um melhor entendimento a respeito da fronteira e de seus habitantes. Os inúmeros projetos modernizadores da República, como as ferrovias, as ações da Inspetoria de Obras contra as Secas, as expedições do Instituto Oswaldo Cruz e a construção de linhas telegráficas ensejavam esse sentido de missão civilizatória (Lima, 1999, pp. 66-67).

A Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA), em 1907, conhecida também como Comissão Rondon (CR), destaca-se como um dos mais significativos e simbólicos empreendimentos das décadas iniciais da República, que intentava conectar originalmente por uma linha tronco a porção Noroeste do Brasil, ligando Cuiabá à vila de Santo Antônio do Madeira, no Mato Grosso (Sá; Sá; Lima, 2008, pp. 782-783).

Um problema que prejudicava o andamento dos trabalhos da CR foram as condições nosológicas desfavoráveis da região, marcada principalmente pela incidência endêmica da malária e de outras doenças tropicais que causaram relativo percentual de óbitos, além de incapacitar cerca de um quarto dos soldados e trabalhadores civis (Maciel, 1998, p. 140; Diacon, 2006, pp. 76-77). Nessa conjuntura, o aumento da presença de médicos militares do Exército tornou-se fundamental, principalmente na última fase, quando foi instalado o Serviço Sanitário para a profilaxia da malária e a melhoria da infraestrutura médico-hospitalar da Comissão.

Entre os médicos militares da CR, os mais proeminentes foram o primeiro-tenente José Antônio Cajazeira (1914-1915), o capitão Murillo de Campos (1910-1911) e Joaquim Augusto Tanajura (1909-1915). Estes doutores, “autores dos mais extensos e importantes relatórios médicos da Comissão”, adquiriam conhecimento a respeito das doenças tropicais e da nosologia local no saber acumulado na pesquisa de campo (Caser; Sá, 2011, pp. 479-480; Maciel, 1998, p. 137).

As moléstias que assolavam a CR podem ser percebidas no relatório do segundo-tenente Octávio Felix Ferreira e Silva, engenheiro-militar que chefiou, em 1910, uma expedição que efetuou o levantamento topográfico do Rio Jamari. Silva tece uma série de considerações acerca das condições insalubres em que viviam os ribeirinhos, chegando a afirmar ser “difícil encontrarem-se no Jamari pessoas de avançada idade”. Entre as doenças mais comuns, assinala a ocorrência do beribéri, da tuberculose, da disenteria e do impaludismo (malária), sendo esse último considerado o “maior consumidor de vidas no Jamari”. Também insurgia, no conjunto, a polinevrite palustre, a moléstias nos olhos, a icterícia, o eczema, a lepra seca e as úlceras nas pernas (CLTEMTA, 1920, p. 21).

O médico sanitarista Oswaldo Cruz desenvolveu uma avaliação sanitária bastante rigorosa na área da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré a convite da empresa Brazil Railway Company, de Percival Farqhuar. O seu relatório, apresentado em setembro de 1910, pode ser considerado o mais minucioso inquérito médico-sanitário sobre o Alto Madeira, além da indicação das medidas profiláticas a serem tomadas pelos diretores da empresa e autoridades públicas (Hardman, 1988, p. 150). Ele elaborou um inventário angustiante das “moléstias reinantes”: pneumonia, sarampo, ancilostomíase, beribéri, disenteria, hemoglobinúria, febre amarela, pé-de-madura, pinta, espúndias e calazar. Procurou identificar no impaludismo o mal que “torna essas paragens verdadeiramente inóspitas”, de modo que a população, quase toda infetada, já “não tem noção de que seja o estado hígido e para ela a condição de ser enfermo constitui a normalidade” (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972, p. 32).

Os médicos-militares da CR estavam atentos aos estudos recentes feitos pelos sanitaristas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), em sintonia com o debate internacional no campo da Medicina Tropical acerca da malária e de outras moléstias. Caser e Sá (2011) assinalam a adesão dos médicos da CR aos princípios da nova disciplina médica, ao notarem que “não apresentaram explicações monocausais sobre a incidência de doenças nas regiões que atravessaram”, evitando afirmar que condições climáticas e geográficas pudessem se constituir em fator impeditivo “único e definitivo à ocupação produtiva dos sertões do noroeste” (Caser; Sá, 2011, p. 479).

O médico Joaquim Augusto Tanajura, um dos profissionais mais atuantes na CR, após chegar de uma longa viagem de navio, vindo do Rio de Janeiro, aportou no povoado de Tapirapuã, localizado à beira do rio Sepotuba, no estado de Mato Grosso, em maio de 1909 (Mapa 1). Dali seguiu até a região do rio Juruena, onde encontrou a expedição de reconhecimento comandada pelo coronel Cândido Rondon em direção ao rio Madeira (Vital, 2011, pp. 41-42). Naquela paragem, Tanajura teve uma amostra do que iria enfrentar, tendo atendido 47 praças e civis doentes, a maioria acometida de malária, além de vários casos de bócio concomitantes em doentes com paludismo reincidente (CLTEMTA, [s.d.], p. 4).

Mapa 1
Linha Telegráfica Cuiabá a Santo Antônio do Madeira (CLTEMTA).

Alguns membros da expedição foram acometidos desse mal, como assinala Rondon em registro de 30 de junho (Viveiros, 1958, p. 287). O primeiro caso se deu com a chegada do geólogo Cícero de Campos, do Museu Nacional, que se incorporou à expedição. Este já apresentava “sintomas percussores de beribéri, que, segundo informa-me contraía pela terceira vez” (CLTEMTA, [s.d.], p. 7). Com o agravamento da doença, providenciou-se sua remoção para enfermaria militar de Cáceres, que distava cerca de 80 léguas. Apesar do empenho em salvá-lo, ele veio a falecer.

O beribéri, depois da malária, é uma das moléstias mais citadas nos relatórios médicos da CR. Insurge com uma análise mais rigorosa no artigo “Notas do interior do Brasil: Noroeste de Mato Grosso” (Campos, 1913, pp. 195-227), do médico Murillo de Campos, que fornece um relato epidemiológico bem documentado da doença nas frentes de construção do telégrafo na região do rio Juruena em 1910, e também no relatório do médico José Antônio Cajazeira (CLTEMTA, 1916), que dedica um tópico específico à discussão do beribéri e de seu impacto no Mato Grosso.

Nesse ponto, é importante considerar como a historiografia tem tratado o tema da medicina e das doenças na Comissão Rondon, especificamente no que diz respeito à atuação dos médicos militares, à produção de um conhecimento científico acerca das moléstias reinantes na região e às correlações com uma medicina tropical com contornos nacionais liderada por médicos e sanitaristas do Instituto Oswaldo Cruz.

Em estudo pioneiro, Laura Antunes Maciel (1998) argumenta que o caráter civilizatório que revestia a atuação da Comissão, em boa parte, teria sido construído por uma produção imagética (filmes e fotografias) gerada pelo Escritório Central da Comissão, que inclusive produziu um discurso da salubridade e da fecundidade da região Noroeste.

Diacon (2006) aprofunda essa questão ao se referir às opiniões dos médicos da Comissão que, em seus relatórios oficiais, chegavam a admitir os riscos à saúde dos trabalhadores nas frentes de trabalho, apesar de pouco se manifestarem publicamente, “exceto quando isso chama a atenção para seu heroico trabalho” (2006, p. 181). Prevalecia a ideia de que a região Noroeste apenas parecia insalubre, pois muitos soldados chegavam à linha doentes, e de que a falta de higiene explicava a causa de muitas moléstias reinantes.

Em análise efetuada por Caser (2009) e Caser e Sá (2011), procura-se sistematizar os trabalhos dos médicos designados para trabalhar na empreitada em termos dos objetivos mais imediatos da Comissão. O artigo se põe a examinar a atuação desses médicos, no cumprimento do papel fundamental de controlar as doenças, diminuir a mortandade de membros da Comissão e dissipar o medo dos sertões. Nesta tarefa, criaram um Serviço Sanitário para controlar especialmente a malária, moléstia referida constantemente nos relatórios dos oficiais, principalmente por atrapalhar o andamento das operações da Comissão (Caser; Sá, 2011, pp. 473-4).

Vital (2011) se põe a averiguar a questão sob uma perspectiva diferente, ao considerar que os relatórios oficiais teriam silenciado a respeito de muitas graves epidemias locais (varíola, influenza, febre amarela, febre tifoide, sarampo). Considera que a concessão de autoridade e autonomia aos médicos se deu após “uma luta pelo ajuste da assimetria das relações entre os oficiais da Comissão, incluindo Rondon, e os oficiais médicos, além do alinhamento de objetivos entre esses atores” (Vital, 2011, p. 22). Os médicos produziram conhecimento sobre a epidemiologia da região Noroeste, após se familiarizarem com a ocorrência cíclica das doenças, contando com informações vitais fornecidas pelos habitantes locais.

Mas essas investigações se faziam sobre doenças tropicais endêmicas que se enquadravam nos parâmetros da medicina tropical, como era o caso da malária e da doença de Chagas, moléstias cuja incidência na Amazônia e em outras regiões vinha sendo estudada amplamente pelos cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (Schweickardt, 2009). Havia maior dificuldade de empregar tal esquema no estudo de doenças carenciais como o beribéri, a pelagra e o escorbuto.

Nesse sentido, pretendo analisar a incidência do beribéri, doença que preocupava os médicos da Comissão, a ponto de se aprofundarem a respeito das variadas hipóteses sobre sua causa na década de 1910. Assim, antes de proceder a uma análise mais rigorosa dos relatórios produzidos por Campos e Cajazeira, é necessário apreciar o debate médico sobre o beribéri, inclusive aquele produzido pelos sanitaristas sobre a região amazônica.

DA INCHAÇÃO AO BERIBÉRI GALOPANTE: O DEBATE ETIOLÓGICO

A designação “beribéri”, adotada no Ocidente, é de origem cingalesa e significa fraqueza nas pernas. No Japão e na China, a moléstia é conhecida desde a antiguidade, e se emprega a palavra Kakke, que significa “doença nas pernas” (Almeida, 1916, p. 09).

Kiple chama a atenção para o fato de o beribéri ser geralmente associado às culturas comedoras de arroz da Ásia, uma vez que sua causa básica é a deficiência de tiamina ou vitamina B1. A prática de se retirar a casca do grão, para evitar sua deterioração, acaba por suprimir toda tiamina que o arroz contém (Kiple, 1989, p. 677). No entanto, esse entendimento acerca da etiologia do beribéri só começou a ser desenvolvido mais contemporaneamente com a descoberta das vitaminas, em 1911, por Casimir Funk.

De acordo com Carter, a partir da década de 1880 se desenvolveu uma opinião forte e ampla de que o beribéri estava relacionado à dieta alimentar, seja por uma insuficiência de caráter quantitativo para atender à necessidade do organismo ou por falta de certos alimentos essenciais (Carter, 1977, pp. 125-126). Em 1882, Kameriho Takaki foi o primeiro a coletar evidências sistemáticas em grande escala para apoiar o conceito de deficiência alimentar. Com base em suas observações como diretor do Hospital Naval de Tóquio, chegou à conclusão de que os inúmeros casos de beribéri nas tripulações das embarcações japonesas se deviam à deficiência de substâncias nitrogenadas e ao grande excesso de carboidratos na comida (Meade, 1993, p. 610).

A despeito da teoria da deficiência alimentar, predominava entre muitos médicos, desde princípios do século XIX, a noção de que a doença se propagava por meio de contágio ou infecção. Para os partidários do contagionismo, o surgimento de uma moléstia poderia ser explicado pela “existência de um veneno específico que uma vez produzido podia se reproduzir no indivíduo doente” (Chalhoub, 1996, p. 64) e ser transmitido direta ou indiretamente de pessoa para pessoa. No caso da infecção, a doença era provocada por “miasmas mórbidos” produzidos por emanações deletérias no ar ambiente que irrompiam da matéria orgânica em decomposição. Na prática, esses paradigmas se combinavam no discurso dos médicos quando apresentavam a etiologia de determinadas doenças (Chalhoub, 1996, pp. 64-65).

Com o desenvolvimento da microbiologia surgiram numerosas teorias ligando organismos específicos ao beribéri. Herbert Durham conclui que o beribéri seria um tipo de doença infecciosa epidêmica como a difteria, isto é, transmitida de pessoa para pessoa por fômites. Para o médico alemão Heirinch B. Scheube, havia semelhança no contágio do beribéri com a malária, por isso defendia a existência de um hospedeiro transmissor. Para Patrick Manson, o beribéri seria uma forma de intoxicação, não muito diferente do alcoolismo, em que uma toxina gerada por microrganismos se introduziria no corpo pelo ar (Almeida, 1916, p. 109). August Hirsch sustentava que havia evidência suficiente de que o beribéri era causado por um veneno peculiar e específico, e não pelo clima, solo, modo de vida ou dieta (Meade, 1993, p. 609). Embora, os pesquisadores tivessem dificuldades para chegar a um consenso sobre qual germe específico seria o causador do beribéri, havia pouca dúvida de que existisse (Carter, 1977, p. 128).

Desde o final do século XIX até o início do XX, estava em discussão a teoria alimentar desenvolvida pelo oficial holandês Christian Eijkman, que estabeleceu a relação existente entre o consumo de arroz polido e a doença com base no estudo etiológico realizado em galinhas na Indonésia na década de 1890. Esta concepção buscava comprovar que se tratava de uma deficiência alimentar (Kiple, 1989, p. 678). O pesquisador Gerrut Gerrit Grijns, sucessor de Eijkman no laboratório, avançou na pesquisa e formulou a teoria de que a doença não era causada por uma toxina presente no arroz pilado, mas pela carência de uma substância existente na cutícula do arroz (Rezende, 2009). Henry Fraser e Thomas Staton aprofundaram as investigações de Eijkman, ao efetuarem um estudo microscópico e químico do arroz (Almeida, 1916, p. 114).

O Congresso Médico de Londres de 1913 acabou por reconhecer que a “alimentação básica pelo uso contínuo do grão sob a forma de arroz branco produz beribéri”, provando-se que a moléstia não era uma infecção (Almeida, 1916, p. 119).

Seguindo a trilha de seus antecessores, o bioquímico polonês Casimir Funk, em 1911, extraiu uma substância química contida na casca do arroz que pensou se tratar do fator antiberibérico, denominando-a “vitamina” (Meade, 1993, p. 610). Observou que sua ausência na alimentação causava o beribéri, depois de realizar experimentos com pombos polineuríticos1, que se curaram com a administração de pequenas doses daquela mesma substância (Fraga, 1916, pp. 102-103).

Essa definição etiológica, no entanto, não se aplicava a países como o Brasil, em que o arroz não entrava na dieta cotidiana como alimento de base. Esta discordância promoveu um campo para novas investigações sobre a etiologia da moléstia. O americano Carl Lovelace, médico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, refutou, em seu relatório, a relação da dieta de arroz polido no diagnóstico de casos de beribéri entre os operários, afirmando que a alimentação dos chefes e dos trabalhadores consistia em biscoitos, carne (seca ou em conserva), bacalhau, feijão e macarrão, tratando-se quase todos de gêneros importados (Almeida, 1916, p. 122).

Tornava-se urgente, a partir destas constatações, averiguar se essa mesma deficiência, provocada pela falta de uma substância no arroz, estaria presente em outros alimentos. A “vitamina” de Funk somente seria isolada em 1926 por Petrus Jansen e Willen Frederick Donath, e sintetizada dez anos depois, quando passou a ser denominada B1 ou tiamina (Meade, 1993, pp. 610-1). Todavia, diversas experiências laboratoriais efetuadas nos anos 1910 provaram que alimentos tão diferentes como o levedo, o feijão, a carne fresca, o milho e o peixe continham tiamina. Isto fez Schaumann concluir que não havia nenhuma dúvida quanto à “existência de uma forma de beribéri de origem puramente alimentar, isto é, unicamente por déficit alimentar” (Almeida, 1916, p. 134).

Para Kenneth Kiple (1989), que analisou algumas diferenças na alimentação regional no Brasil do século XIX, haveria uma constante na dieta muito importante, que era a presença da farinha de mandioca, “que tem ainda menos tiamina do que o arroz moído”, e da carne seca. Esse padrão seria vigente no Nordeste, onde o beribéri era mais virulento, e entre os pobres em São Paulo e Rio de Janeiro. Já em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, o menor número de beribéricos se explicaria pelo consumo de carne fresca e vegetais. O processo de destruição da tiamina na carne começaria na salga e na irradiação solar, gerando uma carne dura que, para ser consumida, precisava ser mergulhada em água e depois cozida de forma prolongada, extirpando qualquer presença da vitamina.

Até os anos 1920, considerava-se que havia duas formas distintas da doença: o beribéri úmido, no qual ocorrem inchaço nos membros inferiores, atingindo, em seguida, o tronco e a face, e complicações cardíacas (Leonzo, 2012, p. 91; Meade, 1993, p. 606); e o beribéri seco, que tinha maior probabilidade de levar o paciente a óbito ou provocar paralisias incuráveis (Magalhães, 2014, p. 159), que acometia principalmente os membros inferiores, provocando formigamento e dormência, dores nas pernas, marcha lenta, perda da força e paralisia muscular.

O estudo pioneiro sobre o beribéri no Brasil, do médico José Francisco de Silva Lima, membro da Escola Baiana de Medicina Tropical, é essencial para compreender a enfermidade. A partir de 1866, Silva Lima publicou vários artigos na Gazeta Médica da Bahia com o título “Contribuição para a história de uma moléstia que reina atualmente na Bahia sob a forma epidêmica e caracterizada por paralisia, edema e fraqueza geral”, tratando de uma doença (ou doenças) desconhecida(s), que classificou em três formas clínicas: paralítica, edematosa e mista (Kiple, 1989, p. 678). Arriscou, pela primeira vez, a opinião de que todos os sintomas provinham de uma única entidade patológica, o beribéri, com raio de ação restrito aos asilos, prisões, colégios, casernas, navios etc., e que não parecia difundir-se por contágio ou infecção, mas por condições higiênicas (Fraga, 1916, pp. 110-111).

O beribéri, antes do diagnóstico elaborado por Silva Lima, era denominado “inchação das pernas” ou “perneiras”. O médico mineiro Felício do Santos registrou a sua incidência em Minas Gerais em internatos, como o Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, Caraça, Diamantina e Patrocínio ao longo das décadas de 1850 e 1870 (Azevedo, 1875). De acordo com Visconde Taunay (2011), a mazela grassou epidemicamente em Mato Grosso após o fim da Guerra do Paraguai. Virgílio de Mello Franco (1888) registra a ocorrência do beribéri em Goiás nos anos 1880. Na década seguinte, propagou-se por todo o Brasil, inclusive para o Amazonas, o Pará, o Maranhão, a Bahia, o Espírito Santo, o Rio de Janeiro, São Paulo, o Paraná, Santa Catarina e o Mato Grosso (Kiple, 1989, p. 679).

Até o início do século XX, considerava-se que o beribéri era uma doença tropical, infecciosa, contagiosa e epidêmica, caracterizada pela fraqueza dos membros inferiores (Leonzo, 2012, p. 90). Procurou-se, durante certo tempo, identificar um germe específico causador da doença, como protozoários, nematelmintos, bactérias presentes nos cogumelos ou no arroz (Almeida, 1916, pp. 96, 103-104).

Nos anos 1910, as comissões sanitárias do Instituto Oswaldo Cruz na Amazônia investigaram cientificamente diversas doenças endêmicas que assolavam a região e, de modo inclusivo, o beribéri. No primeiro relatório, intitulado Considerações gerais sobre as condições sanitárias do Rio Madeira (1910), Oswaldo Cruz julga “[...] indubitável que o beribéri na região é uma moléstia grave que ataca às vezes com desusada intensidade”, alastrando-se preferencialmente na estação seca e atingindo indistintamente trabalhadores braçais até médicos, engenheiros e empregados de escritório. Sua etiologia permanecia, porém, inteiramente desconhecida (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972, pp. 29-30).

No relatório de 1913, que trata das “condições médico-sanitárias do Vale do Amazonas” (1913), Oswaldo Cruz muda seu discurso em relação à doença. Cruz questiona, por exemplo, a frequência de determinadas condições mórbidas que eram atribuídas ao beribéri, cujo diagnóstico fora feito apenas com base na presença de edema, sem apresentar os sinais clínicos característicos daquela síndrome (perturbações dos reflexos motores, síndrome cardíaca e atrofia muscular). Estes doentes estariam sofrendo de um tipo de malária crônica causada por uma nova variedade do Plasmodium da quartã que “apresentam como elemento anômalo, um edema precoce” recém-descoberto por Carlos Chagas, Pacheco Leão e Pedroso de Albuquerque (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972, pp. 136, 162).

Chagas confirma, no relatório Notas sobre epidemiologia do Amazonas (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972), essa mesma assertiva de Oswaldo Cruz, ao comentar que a “tradição de intensas epidemias de beribéri e da grande abundância de polinevrites” no Acre se devia a um diagnóstico que teria como elemento comum o edema, sem que os doentes apresentassem as perturbações típicas da moléstia, que representariam “modalidades da malária”. Para afirmar a raridade dos casos, faz referência a uma condição mórbida especial, o chamado “beribéri galopante”, uma espécie de edema ascendente que se iniciava nos membros inferiores e se espalhava pelo tronco, levando o paciente a óbito em curto prazo de tempo. Apesar de ter encontrado algo semelhante nos hospitais de Manaus, não observou sua ocorrência nos rios do interior.

O médico Afrânio Peixoto, por sua vez, no artigo “O problema sanitário da Amazônia”, publicado nos Annaes da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972), considera o beribéri uma doença carencial relevante na Amazônia. No tópico “Males da Amazônia”, menciona que o beribéri está presente desde fins do século XVIII na “beira do rio, nas florestas, nas cidades ou choças isoladas”. Ele faz referência a uma epidemia da doença, ocorrida em 1908 na região dos rios Madeira e Mamoré, que teria se prolongado até o ano seguinte. Cita o relatório de Carl Lovelace, no qual se registra que, entre 1908 e 1911, ocorreram nada menos que 963 casos de beribéri “com uma mortalidade de cerca de 11%”, no Hospital da Candelária, em Porto Velho (Cruz; Chagas; Peixoto; 1972, p. 183).

O segundo relatório da Comissão Oswaldo Cruz (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972) é bastante criticado por Peixoto pela “posição de ceticismo negador” em relação ao beribéri e às polinevrites palustres, seja porque teria percorrido a Amazônia em ano no qual a doença não estava vigendo e “fora de época em que costuma aparecer”, seja por contradizer seu primeiro relatório, no qual tratava da incidência evidente do beribéri e da questão da base da alimentação das populações regionais, considerada “deficiente e deteriorada”.

Peixoto faz ainda alusão importante ao Dr. Allen M. Walcott, chefe do serviço sanitário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e diretor do Hospital da Candelária, que conhecia o beribéri desde sua passagem pelas obras do canal do Panamá, e que teria conseguido demonstrar:

como a deficiência alimentar (principalmente pela farinha d’água, pobríssima em vitaminas e capaz de produzir o beribéri experimental, como o arroz pilado, aos animais em laboratório) e a deterioração dos alimentos, seriam causas do beribéri do Amazonas, curado facilmente nas enfermarias com um regime saudável, rico em vitaminas, variado de frutos e legumes frescos (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972, pp. 185-186).

Diferentemente de Oswaldo Cruz e Chagas, Peixoto considera o beribéri um fator de insalubridade da Amazônia. Identifica a causa principal da doença no regime nutricional caracterizado, sobretudo, “por alimentos pobres em vitaminas, talvez alguns deteriorados, privados outros de substâncias frescas” (Cruz; Chagas; Peixoto, 1972, p. 186). Essa percepção coadunava com as recentes pesquisas que indicavam o fator carencial como base científica nova para uma etiologia do beribéri que se contrapunha aos paradigmas médicos do contágio e da infecção, gerando uma enorme controvérsia que, de alguma maneira, influenciou as interpretações dos médicos da CR.

RELATO DE UMA (PSEUDO)EPIDEMIA E O INVENTÁRIO EPIDEMIOLÓGICO DO MÉDICO MURILLO DE CAMPOS

Em 1913, o médico militar Murillo de Campos publicou, na revista Archivos Brasileiros de Medicina, um artigo intitulado “Notas do interior do Brasil: Noroeste de Mato Grosso” (Campos, 1913, pp. 195-227), no qual relatava minuciosamente sua primeira passagem pelo Serviço Sanitário da CLTEMTA. Em tópico mais extenso, dedicado especificamente aos trabalhadores da Comissão, trata das condições sanitárias das turmas de construção acampadas na margem esquerda do rio Juruena, um afluente da margem esquerda do rio Tapajós, no Mato Grosso, em julho de 1910:

As praças de pret constituem o refugo das guarnições do Rio e de Mato Grosso, quase que sistematicamente. São insubordinados, bebedores, etc., que, como castigo, se incluem nos contingentes da Comissão de Linhas Telegráficas. A despeito de tudo, a esses trabalhadores anônimos deve-se, em grande parte, a construção do trecho da linha telegráfica de Cuiabá ao Madeira. As inúmeras cruzes, erguidas ao longo da estrada de rodagem, que a acompanha, assinalam os que aí morreram trabalhando pelo desbravamento do Noroeste de Mato Grosso (Campos, 1936, pp. 68-69).

Se o perfil dos praças era preocupante na perspectiva dos oficiais, temor maior tinha o recruta de ser enviado obrigatoriamente para servir na Comissão Rondon, que era equivalente a uma sentença de morte. A maioria deles provinha do 5° Batalhão de Engenharia do Rio de Janeiro, e muitos chegavam até o local de construção com doenças crônicas como tuberculose, malária, hepatite e sífilis.

Conforme Diacon (2006), a rotina de trabalho, longa e interminável, era bastante perigosa, marcada por acidentes como quedas de árvores, ataque de animais e, eventualmente, de índios (Diacon, 2006, p. 74). As botas de péssima qualidade, fornecidas pelo exército, tornavam-se imprestáveis com o uso, assim, a maioria andava descalça, o que gerava ferimentos nos pés e nas pernas. A ancilostomíase, os bichos-de-pé, os ataques de insetos e as infecções por fungos eram males constantes, havendo ainda uma infinidade de insetos sugadores de sangue e transmissores de doenças (Diacon, 2006, pp. 74-75).

Os médicos da comissão apontavam, ainda, para a existência de fatores que aumentavam a incidência de doenças endêmicas entre os trabalhadores na região, como a umidade constante da selva, a existência de brejos e lagoas de águas paradas, onde proliferava o mosquito Anopheles, transmissor do parasita da malária (Maciel, 1998, pp. 135-136).

Na exposição da nosografia no acampamento do Juruena, Murillo de Campos (1936) concede destaque a uma suposta epidemia de beribéri que teria ocorrido nos meses de abril a julho de 1910, atingido metade do contingente (Campos, 1936, p. 75). Assinala que o pico dessa doença teria coincidido com um dos “mais intensos períodos de brisa”, isto é, momentos nos quais havia redução drástica da ração, composta por carne verde e farinha de mandioca distribuída sob a forma de farofa (2 litros). Faltavam, inclusive, alguns alimentos, como frutas, palmito, mel, peixes e carne de caça, provenientes das matas próximas (Maciel, 1998, p. 136).

Em seu diário, Campos (1936) reflete bem sobre a situação pela qual passava o acampamento do Juruena:

21/6/910. Chegada à Juruena. A alimentação do pessoal, há dias é escassa.

22/6/910. Ida ao acampamento da construção. Impressão desoladora. Para a alimentação de 80 homens não se conta senão com a carne de boi magro e cançado. Dos outros gêneros, restam apenas 2 sacas de feijão e 1 kilo de assucar. Apareceram os primeiros casos de beribéri: 2 oficiais, 1 inspetor de linha e 1 soldado.

30/6/910. Não se fez, no destacamento do Juruena, distribuição de gêneros. Alguns homens saíram em busca de alguma caça, e outros para tirar mandioca na roça dos Nhambiquaras, no Ranchão. A carne verde não falta.

1/7/910. Volta-se a tirar mandioca na roça do Ranchão. À falta de preparo conveniente da massa de mandioca, verificam-se 2 casos de intoxicação.

2/7/910. Refeições de carne verde, e nada mais.

4/7/910. Chegaram novos gêneros. Distribuição normal.

21/7/910. Começa a falta de alimentos. Refeições exclusivas de carne verde (Campos, 1936, pp. 75-76).

De acordo com Campos (1936), havia uma tabela adotada pela comissão, definindo a distribuição diária dos seguintes gêneros alimentícios aos trabalhadores: arroz (16 cl), feijão (22 cl), farinha de mandioca (66 cl), carne seca (350 g), carne verde (700 g), banha (50 g), açúcar (50 g) e café moído (100 g). Acrescenta, porém, que era mais habitual distribuir ao soldado farofa, primeiramente no café pela manhã, depois, no intervalo entre o 1º e o 2º tempo (Campos, 1936, pp. 73-74).

O problema de abastecimento ao qual se refere Campos se relaciona à distância cada vez maior entre as cidades e os acampamentos da comissão. E, na medida em que a comissão adentrava os sertões, a alimentação começava a piorar enormemente, devido às dificuldades de transporte de gêneros. Estes eram em boa parte importados do sul do país ou da Argentina. Carregados nos porões de cargueiros, levavam de 3 a 4 meses até chegar em Cáceres (MT). Em seguida, eram deslocados por terra por longo trecho até o rio Juruena, chegando ao acampamento mais ou menos avariados: “A farinha de mandioca e o arroz, transportados em sacos de juta ou de algodão, sofrem o mofo; o feijão, o caruncho; a carne seca, franca deterioração” (Campos, 1936, p. 73). A carne verde era de “má qualidade”, proveniente de bois trazidos dos pantanais e empregados no “transporte de postes, e, abatidos, quando já não se prestam a esse fim”. Essa escassez crônica de alimentos, devido à precariedade do abastecimento, aliada à falta de pastagens, fazia com que os destacamentos recorressem aos proventos da mata nas cercanias próximas à linha de construção do telégrafo (Diacon, 2006, p. 76).

No parecer de Campos, o surto de beribéri teria atingido quase a metade do contingente. De 36 doentes, quatro vieram a óbito. O restante foi removido para enfermarias em Tapirapoã e Cáceres. A diversidade de manifestações da doença levou a proceder a um ensaio de diagnóstico etiológico baseado em informes anamnésicos e clínicos, que resultou no estudo “O problema do beribéri no Brasil”, publicado nos Annaes do 1º Congresso Brasileiro de Neurologia, Psychiatria e Medicina Legal (Campos, 1916). Neste trabalho, Campos contou com a colaboração de Juliano Moreira, diretor do Hospital dos Alienados do Rio de Janeiro (Campos, 1936, p. 100).

Campos faz referência, em seu artigo, a 24 casos que acompanhou durante sua estadia no acampamento de Juruena, sendo 21 praças originários do 5º Batalhão de Engenharia (RJ) e 3 civis. Aproximadamente 22 doentes trabalhavam na comissão há mais de um ano, e 19 doentes tinham entre 21 e 30 anos de idade. Neste grupo houve 18 remoções e 3 óbitos.

O Quadro 1 evidencia que, entre os sintomas mais frequentemente aludidos pelos pacientes, destacam-se aqueles relacionados aos membros inferiores, como o inchaço, a dormência e a fraqueza, normalmente atribuídos ao beribéri.

Quadro 1
Sintomas mencionados pelos enfermos de beribéri observados pelo Dr. Murillo de Campos (1936, pp. 77-99).

Além das perturbações dos reflexos motores e da atrofia muscular, Campos faz questão de avaliar se os pacientes apresentavam algum tipo de complicação cardíaca, que acomete os beribéricos, como aumento do coração e pressão arterial diastólica baixa (Meade, 1993, p. 606).

Esse perfil é completado pelo histórico clínico de cada paciente (Quadro 2), que indicava que muitos dos jovens recrutas já haviam contraído malária, sarampo, varíola, gonorreia, sífilis e mesmo beribéri, que manifestava epidemicamente nas corporações militares.

Quadro 2
Antecedentes mórbidos informados pelos enfermos de beribéri observados pelo Dr. Murillo de Campos (1936, pp. 77-99).

É importante assinalar que esse estudo se tratava de uma espécie de inventário sanitário2 sobre uma doença cuja etiologia, como afirmamos anteriormente, ainda era completamente desconhecida.

Murillo de Campos, assim como Juliano Moreira e outros médicos brasileiros, ainda não estava convencido da associação do beribéri com uma dieta de arroz, embora reconhecesse, pelo menos parcialmente, que se tratava de uma moléstia de origem alimentar. Entretanto, a interpretação que faz da causa do surto epidêmico parece bastante dúbia quando afirma: “qualquer que seja a teoria adotada, o papel da alimentação, encarada não somente como hiponutrição mas ainda a carência vitamínica, está fora de discussão” (Campos, 1936, p. 101). Campos, em particular, faz objeções em relação à aplicação da descoberta de Christian Eijkman, que levou a teoria alimentar do beribéri para o contexto brasileiro, “em que o arroz não tem uma grande importância no regime alimentar” (Campos, 1936, p. 102).

Um aspecto para o qual Campos adverte é que, durante a epidemia, metade dos trabalhadores não teria adoecido de distúrbios polineuríticos. Ele procurava afastar, assim, a suposição de que a avitaminose fosse unicamente a causa para a determinação do mal, acrescentando que seria “necessária a intervenção de um fator desencadeante toxi-infeccioso comum ou ainda desconhecido” (Campos, 1936, pp. 102-103).

Murillo de Campos conclui seu inventário epidemiológico assinalando alguns pontos importantes para debelar o beribéri, sem deixar de reconhecer a importância do fator carencial: 1) considera que o beribéri não parece ser um “doença autônoma”; 2) a ocorrência de “nevrites múltiplas”, principalmente em coletividades militares, se devia à ação de agentes tóxicos e infecciosos “reconhecidamente nevritigênicos”, e à existência de uma alimentação debilitante; 3) ambos os fatores, provocariam “pseudo-epidemias de beribéri”, que classifica como “nevrites múltiplas da mais diversa etiologia”; 4) as melhoras rápidas que apresentam os beribéricos ocorrem quando há “mudanças de clima ou nas viagens”, quando se verificam modificações no regime alimentar e quando deixam “certos hábitos nocivos”; 5) a reincidência da doença se explica pelos mesmos fatores, isto é, quando os “indivíduos voltam aos lugares em que adoeceram” (Campos, 1936, pp. 103-104).

Campos se aproxima, em parte, da hipótese formulada por Nina Rodrigues na conclusão de seu inquérito sobre um surto de beribéri ocorrido no Asilo São João de Deus, em Salvador, em 1904, no qual assinala que as precárias condições higiênicas e de alimentação a que estavam submetidos os asilados teriam contribuído para intensidade da doença que levou à morte dois terços dos internos (Magalhães; 2014, p. 161; Jacobina; Carvalho, 2001, p. 126).

HIPÓTESES ACERCA DA ORIGEM DO BERIBÉRI NO RELATÓRIO DO MÉDICO JOSÉ ANTÔNIO CAJAZEIRA

Outro médico militar, atento sobre casos de beribéri entre os trabalhadores da CLTEMTA, foi o doutor José Antônio Cajazeira, que acompanhou a Expedição Científica Roosevelt-Rondon na condição de chefe do serviço sanitário. O empreendimento binacional transcorreu entre os meses de dezembro de 1913 e abril de 1914, e visava a desvendar o percurso do rio da Dúvida, curso d’água localizado entre os estados de Mato Grosso e do Amazonas (Sá; Sá; Lima, 2008, pp. 789-792). Um outro objetivo seria o de colher espécimes da fauna e da flora, e fazer contatos eventuais com povos indígenas (Millard, 2007).

A descida do rio da Dúvida foi bastante penosa devido ao seu curso sinuoso e cheio de corredeiras, obrigando os expedicionários a abrirem picadas no meio da floresta, arrastando pesadas canoas e suprimentos debaixo de chuvas torrenciais. No decorrer das semanas, os mantimentos começaram a escassear, a fome e a doença atingiram sem piedade a equipe. Cajazeira interveio administrando quinina para os maleitosos, e realizou uma pequena cirurgia em Roosevelt (Diacon, 2006, pp. 56-58).

Seu relatório é bastante minucioso na descrição do quadro sanitário da região percorrida pela expedição, que saiu de Corumbá (MT) em dezembro de 1913. Destaque é concedido à ocorrência da malária, principal endemia reinante na região, à qual dedica longa análise sobre a profilaxia e seu tratamento. Cajazeira faz referências aos ingleses Patrick Manson e Ronald Ross, além dos italianos Amico Bignani, Giovanni Baptista Grassi e Giuseppe Bestianelli, que trabalharam na elucidação do “mecanismo de transmissão da malária em aves e humanos” (Caser; Sá, 2011, p. 480). Menciona pesquisas realizadas por Artur Neiva no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) sobre casos de surgimento de hemotozoários resistentes à quinina, assunto que preocupava os médicos da comissão (Cajazeira, 1916, p. 13).

Cajazeira, bem antes da expedição, realizou um curso de seis meses no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), sendo-lhe permitido permanecer mais cinco meses em Manguinhos para se aperfeiçoar na observação de patologias tropicais (CLTEMTA, 1916, p. 4). Depois, trabalhou oito meses na enfermaria militar de São Luís de Cáceres (MT), ocasião em que teve a oportunidade de observar, pela primeira vez, casos de beribéri entre soldados oriundos das frentes de construção da linha telegráfica. Comenta que, apesar da melhora de alguns deles durante a viagem, outros ainda “conservavam no aparelho digestivo, na esfera sensitivo-motora e no aparelho circulatório, apresentando alguns destes a mais perfeita característica do que chamamos beribéri”. Notou que, enquanto estivessem submetidos a um regime alimentar em que havia “leite, ovos, carne verde, vegetais frescos, frutos maduros, não cozidos, etc., e absoluta ausência de arroz de qualquer qualidade”, começavam a manifestar melhoras, enquanto outros permaneciam estacionados (CLTEMTA, 1916, pp. 71-72).

Em sua passagem pelo hospital em Corumbá (MT), Cajazeira comenta sobre os casos de polineurite que surgiam no período mais frio e úmido entre praças da guarnição. Mas, a grande dificuldade era “isolar sinais verdadeiros, das dissimulações dos soldados”, que desejavam ser removidos para seus estados de origem. Esse comportamento era esperado, uma vez que a maioria dos soldados enviados para CLTEMTA chegavam nas frentes de construção debilitados por doenças crônicas, como tuberculose e malária, e “alquebrados por castigos corporais e por passarem a pão e água durante vários dias”, caso de presos partícipes de revoltas (Diacon, 2006, p. 68).

Outra observação importante relativa aos beribéricos de Cáceres era que se tratavam de “soldados arranchados” ou que tinham estado algum tempo encarcerados. Para o doutor, estes pacientes traziam o beribéri “em estado latente”, pois chegavam na enfermaria com predisposição a desenvolver a enfermidade. Constata que os funcionários do nosocômio, a despeito de terem a mesma dieta dos pacientes, não apresentavam o mesmo distúrbio. Diante deste cenário, ele chega à conclusão de que os soldados adquiriam o beribéri durante o período de reclusão.

Cajazeira dedica extensas páginas sobre o beribéri no seu relatório. Na discussão a respeito do conhecimento etiológico sobre a doença, considera a existência de dois tipos, um de origem alimentar e um outro de origem desconhecida, que “poderia levar subitamente a terminação letal quem esteja sob sua ação”. É sobre esse tipo, percebido entre pacientes na enfermaria militar de Corumbá, assim como entre os soldados arranchados ou presos, que tenta elucidar o problema a partir das múltiplas teorias que colidiam. Ele expõe algumas das inúmeras teorias sobre o beribéri propostas por diversos médicos e cientistas. Algumas atribuíam a miasmas, a algum tipo de envenenamento ou a intoxicação (CLTEMTA, 1916, pp. 66-67). Entretanto, nenhuma delas parecia dar conta dos casos clínicos que Cajazeira observara no Mato Grosso.

Cajazeira constata o aumento dos casos de beribéri de origem alimentar à medida que os trabalhos da comissão avançavam pela região Noroeste. O avanço da “polinevrite periférica”, concomitante ao consumo de víveres adulterados, apresentava “sintomatologia classicamente estatuída para o beribéri” (CLTEMTA, 1916, p. 69). Nesse ponto, o clínico dialoga com os argumentos levantados por Murillo de Campos em seu artigo sobre as causas da epidemia de beribéri no acampamento do Juruena:

A comparação (continua o Dr. Murilo) das condições habituais de vida dos índios, dos seringueiros e dos trabalhadores da comissão indica que a única diferença importante estava na alimentação, pois somente estes últimos dependiam de uma alimentação importada morta e mais ou menos avariada. A relação entre esta observação e o fato de somente os empregados da Comissão apresentarem o beri-beri, logicamente, parece indicar a natureza alimentar desta moléstia (seja intoxicação ou infecção) com o que a clínica não se acha em desacordo (CLTEMTA, 1916, p. 70).

A possível analogia entre reclusão de soldados e incidência do beribéri também é discutida. Para tanto, Cajazeira menciona um levante dos soldados do 13º Regimento de Infantaria de Mato Grosso, ocorrido em dezembro de 1912, que confirmava suas suposições, pois, “cinco meses depois de recolhidos ao xadrez dos quartéis de Corumbá, cerca de oitenta por cento deles, apresentavam sintomas de beri-beri” (CLTEMTA, 1916, p. 82). Acrescentava ainda que esses presos permaneciam na maior parte do tempo trancafiados em suas celas. Em contraste, observa que não havia praticamente registro de beribéri entre os detentos da fortaleza de Coimbra. Como em ambos os quartéis a alimentação e a higiene dos presos era idêntica, restou a Cajazeira avaliar o regime carcerário diferenciado, pois em Coimbra os presos podiam se locomover e se ocupar de atividades ao ar livre, fator que talvez tivesse algum impacto na maior incidência da moléstia em Corumbá.

Assim, todas essas observações são levadas em conta quando Cajazeira apresenta algumas recomendações para se evitar a disseminação do beribéri em prisões militares: fornecer ao soldado recluso uma ração alimentar abundante, forte em vegetais e frutos, com “exclusão do arroz quando este for importado” (polido); evitar castigo que indique isolamento absoluto; empregar o preso durante o dia em alguma ocupação útil; e remover os beribéricos imediatamente, “uma vez firmado semelhante diagnóstico” (CLTEMTA, 1916, pp. 82-83).

Ao final do relatório, faz algumas considerações relativas ao consumo de arroz na CLTEMTA e nos locais em que trabalhou em Mato Grosso. Em primeiro lugar, considera que o arroz não era suficiente mesmo quando ingerido em grande quantidade, não constituindo “ração de equilíbrio”, pois aqueles que fossem nutridos exclusivamente com o cereal acabavam apresentando sintomas mórbidos, que incidiam sobre o sistema nervoso, que se aproximam do beribéri. Em segundo lugar, a ração dos oficiais e soldados nos primeiros tempos da CLTEMTA era composta por carne verde, charque, açúcar, café, feijão, arroz, farinha de mandioca, bolacha, etc., “porém muitas vezes a base da alimentação de nossos soldados era o feijão, arroz e a farinha de mandioca em proporção variáveis...” (CLTEMTA, 1916, p. 68), sendo assim rara a menção ao beribéri e predominante a do impaludismo. O problema teria surgido quando os trabalhos da linha avançaram pelos sertões, tornando o abastecimento alimentar dos acampamentos um problema sério. Gêneros começaram a chegar deteriorados e casos de beribéri começaram a surgir (CLTEMTA, 1916, p. 69).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inquietação dos médicos militares Murillo de Campos e Cajazeira com a incidência do beribéri na CLTEMTA pode ser percebida em seus relatórios que dialogam com as diversas teorias em voga no período, inclusive com as mais recentes, como a das vitaminas. Ambos os médicos admitem a prevalência da deficiência alimentar como causa importante para a incidência da doença, mas nem sempre para todas as diferentes manifestações clínicas observadas e descritas, uma vez que não se sabia a etiologia da moléstia.

A preocupação desses médicos em identificar precisamente a sintomatologia da doença tem certa correlação com as indagações elencadas por Oswaldo Cruz e Carlos Chagas em suas investigações acerca do beribéri na Amazônia. Provavelmente compartilhavam desse debate pelo contato que deviam manter com os médicos sanitaristas do IOC. Assim, diante de manifestações diversas da doença e de concepções médicas conflitantes, os doutores Murillo de Campos e Cajazeira tentaram apresentar suas próprias hipóteses acerca do beribéri, baseadas nas suas próprias pesquisas de campo.

Ambos assinalam a existência de um beribéri de causa desconhecida como algo que deveria ser investigado, como bem demonstra Murillo de Campos, que publicou seu inventário médico numa revista médica reconhecida.

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  • 1
    Refere-se aqui a polineurite ou polinevrite, que é uma lesão inflamatória ou degenerativa dos nervos periféricos, sendo muitas vezes incapacitante e algumas vezes fatal.
  • 2
    O inventário médico sanitário era uma espécie de anamnese elaborada por meio da realização de entrevista com o paciente. As informações sobre o doente, tais como idade, local de origem, ocupação, sintomas da doença, doenças pré-existentes e vícios eram detalhadamente registradas nos relatórios médicos. Esses inventários médicos, que pretendiam observar os hábitos da população para os adequar aos preceitos modernos, surgiram no Brasil desde o início do século XX. Pode-se citar, como exemplo, o projeto “Viagem científica: pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul do Piauí e de norte a sul de Goiás”, coordenado por Arthur Neiva e Belisário Penna em 1912. Eles denunciaram as péssimas condições de saúde e de vida da população rural. Neiva e Penna, que lideravam o movimento em prol do saneamento do país, defendiam a tese de que a salvação econômica, social e moral da nação dependia do compromisso dos poderes públicos com a melhoria das condições de saúde da população.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2024
  • Aceito
    11 Nov 2024
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